FUGINDO DA LEI COMO O DIABO FOGE DA CRUZ
Por/Jonas Freier Ribeiro
A vida em sociedade produz um grande mal-estar em cada sujeito. Um dos pressupostos básicos para viver entre os outros é ter que adiar certas satisfações devido aos compromissos que assumimos em nossas relações com eles. Não é possível ser sempre o primeiro da fila quando na mesma fila há outras pessoas com direito à primazia por alguma condição que as estipule esse lugar. Regras como esta auxiliam na organização de uma sociedade, mas desorganizam um sujeito que vive cheio de pulsões buscando satisfação imediata. Renunciar a essa dinâmica promove o bem social, mas desestabiliza o sujeito.
O problema gerado por nossas convenções sociais é, no mínimo, um incômodo interno por ter que se frustrar diariamente. A cultura, então, ao passo que exige a interdição individual, proporciona meios para que as pessoas possam ter alguma satisfação compensatória daquelas pulsões que foram renunciadas, já que estas não morrem na renúncia, mas podem voltar para o próprio sujeito e lhe manifestar uma constante angústia. Além dos diversos meios formais para tal compensação, há outros que não são tão convencionais e são realizados sob o estigma de ilegalidade ou proibição. Mesmo assim, cada parte envolvida costuma respeitar algum acordo básico naquilo que for fazer.
Nessa treta toda, porém, nem sempre todo mundo quer dançar conforme a música que está rodando na “playlist”. Há aqueles que buscam viver no limite do tolerável, curtindo os riscos, e ainda aqueles que ousam viver como se fossem superiores às regras sociais, portanto, desejando estar acima da própria sociedade que as estipulou. Às vezes pode ser que possuem algum poder social que o façam sentir como se pudessem assumir um “trono” sobre os demais. Outros, porém, é justamente por não terem o “trono” que saem em busca dessa própria conquista. Fazem de si um déspota. São capazes de desafiar a Lei que subjuga todos para mostrarem a força que possuem. Metem medo, mas normalmente não esperam para ver no que vai dar.
Para estes, a sociedade não demora a apresentar o rigor da sua Lei. Quem atreve-se a se individualizar dessa forma correrá o risco de sentir a força da maioria, a qual está representada na farda e na toga. Você é livre para viver em sociedade, dentro de alguns requisitos, claro. Sua liberdade não é onipotência. É isso que Lázaro Barbosa, chamado de “serial killer do Distrito Federal”, recusa perceber. Precisa fugir e se esconder para manter o status de que quem governa ele é ele mesmo. Cutucou a Lei ao cometer seus crimes e foge para tentar provar que ele governa e é senhor de si. Se a Lei vai atrás dele, é porque ele está à frente, imagina. Pelo menos é esse o mecanismo mental que não deixa haver culpa e rendição.
“Prenda-me se for capaz” é o lema que faz Lázaro escapar. Quer provar que sua capacidade é maior do que a Lei. Por outro lado, a sociedade precisa pegá-lo. Precisa dar exemplo nesse caso. Todos os demais precisam saber que ninguém afronta as normas e sai ileso. Lázaro não aguenta o custo da renúncia ao próprio gozo. Se não for parado, provavelmente viverá para mostrar mais do que ainda é capaz, sempre precisando mostrar a si e a todos nós que ele pode, e nós não. Investiu-se de um poder sobrenatural para suas façanhas criminosas? Pelo menos simbolicamente assim o fez. Quem teria tamanha coragem de cutucar o diabo? Lázaro o provocou e o chamou para aliado. Mas agora ele foge da lei como o diabo da cruz. E se ele fez-se “demônio”, a polícia fez-se “anjos”, disse um major. A “guerra” foi travada. E ainda continua no front.