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ARTIGO: SAUDADES
ARTIGO
Publicado em 15/05/2021

O município de Saudades, no Oeste de Santa Catarina, teve sua tranquilidade diária interrompida por gritos pedindo socorro. O crime brutal aconteceu numa terça-feira pela manhã, 4 de maio. Um rapaz de 18 anos invadiu uma escola infantil que cuidava de crianças de até três anos de idade. Armado com facas, utilizou um facão tipo espada para desferir golpes em quem pudesse acertar, matando duas mulheres e três crianças, além de deixar uma outra ferida e o país todo perplexo diante de tal atrocidade.

O delegado que cuida do caso deu uma entrevista aparentemente consternado. Não é para menos, atrás de qualquer farda, distintivo ou uniforme sempre há um humano. O prefeito não conseguiu conter o choro de lamento ao fazer menção de que possui um bebê pequeno semelhante aos que ali estavam na creche. O delegado mencionou que Saudades é uma cidade muito calma e tranquila. Os registros policiais são irrisórios, pois não lembra quando teve o último registro de furto ou roubo. Quanto aos homicídios, ano passado houve apenas um registro.

Apesar de raro, esse tipo de crime já não é tão estranho em nosso país. Com esse de Saudades, já contabilizamos sete fatalidades em solo brasileiro ao longo de 22 anos. A imprevisibilidade do ato somada a falta de segurança das instituições educacionais tornam tais acontecimentos sempre uma tragédia dolorosamente traumática. É um ferimento social difícil de assimilar e cicatrizar. O delegado do caso da creche Aquarela fazia um paradoxo entre o ocorrido e a cidade pacata. “Como foi ocorrer? Como não percebemos?” eram as perguntas não mencionadas, mas que ecoaram dali. A investigação policial iria ainda buscar a motivação do criminoso. Por que alguém quis fazer isso? Como pôde?

A primeira explicação que vem à nossa mente é a de que um monstro andou entre nós. Se desumaniza o sujeito para relegar ele a uma exclusividade. Que talvez ele mereça ser abatido e assim tudo seria resolvido. O problema é que tais pessoas estão entre nós como normais imprevisíveis. Por alguma razão, que não necessariamente seja compreensível nem sequer justificável, tais indivíduos decidem investir contra o outro de forma cruel. Se fosse como o Lobisomem - que transforma-se em noite de Lua cheia - poderíamos esperar pelo pior ao menos preparados. Mas não, é numa manhã de terça-feira comum que o terror aparece. E quem o traz e faz, nesse caso, é um jovem rapaz armado com facas.

Não há respostas que darão conta de explicar satisfatoriamente as perguntas que ecoam dessa barbárie. A saudade em Saudades será dolorida. Como disse uma mãe, “nunca ouvirei ela me chamar de mamãe”. Sua filha foi golpeada para a morte sem nem ter aprendido a reconhecer na palavra sua própria mãe. Esse “nunca” tão precoce é que não encontra sentido. A conclusão disso é que o mundo não é um lugar seguro para ninguém. Não há nenhum paraíso livre de alguma serpente venenosa. Onde houver humanos, haverá sempre algo que escapará às explicações coerentes, aos sentidos perfeitos e à normalidade idealizada. Não há tranquilidade duradoura onde houver um humano com seus conflitos internos. Conflitos que, se não forem expostos pela palavra para serem tratados, poderão virar atos cheios de terror e crueldade.

Jonas Freier Ribeiro/Especialista em Avaliação Psicológica e trabalha como psicólogo clínico na Prefeitura Municipal de Salto do Jacuí.

 

 

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