QUEM É VOCÊ QUANDO FICA SEM INTERNET?
Não há dúvida de que a vida em pandemia seria um tanto mais difícil caso não tivéssemos a internet tão difundida como a temos em nossos dias. É claro que essa afirmação se dá porque estamos tão imersos no mundo da web que é quase impossível imaginar uma vida sem as atividades que fizemos e as relações que mantemos através do online. É de cogitar, ainda, que se não vivêssemos numa globalização tão 4.0, talvez não teríamos o avanço do coronavírus na rapidez que tivemos. Não que ele viaje como viaja a mensagem do WhatsApp, mas é certo que a internet contribuiu para a agilidade acelerada do nosso mundo atual.
Muitos encontros online surgiram nesse período de distanciamento físico. Foi uma alternativa para não nos sentirmos tão solitários. Mesmo assim, essa vida digital parece ter mostrado o quanto precisamos dos encontros presenciais - aqueles em que enxergamos o sujeito não apenas da barriga para cima e sem olhar olho no olho. Eu e mais três amigos, por exemplo, começamos um encontro semanal para conversarmos - hábito que tínhamos presencialmente quando morávamos todos na mesma cidade. Um deles, no último encontro, contou que há alguns dias atrás ficou sem internet contra sua vontade, pois os fios da fibra óptica que traziam a internet até a sua casa foram arrebentados. Um mal-estar apareceu.
Meu amigo disse que demorou para que fossem arrumados. Disse que ficou um pouco desorientado em casa, pois era seu dia de folga do trabalho e previa poder realizar algumas tarefas com o auxílio da internet. Disse que a sensação experimentada foi a de um vazio. Acho que essa sensação dele provavelmente seria a de todos que estão habituados a usarem a internet no dia a dia. Não é só para trabalho ou diversão, costumamos usá-la para estudos, “ir às compras”, movimentações financeiras, acompanhar notícias e falar com outras pessoas. Tornou-se um mundo à parte, no qual parece que exercemos um controle maior sobre ele.
A sensação que meu amigo experimentou, e que acho que seria a da maioria de nós, é uma resposta proporcional ao que a internet representa para nós. O smartphone, objeto fisicamente real, é o grande personificador da internet. Nosso mundo web está nele. Ele é o portal para o virtual. Não é à toa que o temos sempre conosco. E como sempre estabelecemos uma relação bem particular com nossos objetos, eles não são meros eletrônicos. Tornaram-se seres. Com eles estabelecemos uma relação onde há pulsão. Com eles podemos sentir que não estamos sozinhos, pois a falta é virtualmente tamponada. Puxar o celular sempre que estamos numa sala de espera mostra isso.
Essa relação é bastante semelhante à que a pessoa que faz uso de drogas estabelece com a substância (é claro que ressalvadas as devidas diferenças). Um smartphone sem acesso à internet não nos serve. Com ela, já não sentimos a crueza do vazio que nos domina. Novamente criamos algo para estabelecer uma relação e endereçar nosso coração a fim de um descanso da falta. O problema será quando o sinal cair ou os fios se arrebentarem. Logo salta o vazio que nos habita. Aí criamos. Buscamos alternativas para lidar com o mal-estar ressurgido ou sucumbiremos a ele. Normalmente ficamos um pouco mais tranquilos porque logo a internet voltará. Mas e se não voltasse, o que faríamos com o vazio?
Especialista em Avaliação Psicológica e trabalha como psicólogo clínico na Prefeitura Municipal de Salto do Jacuí.