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DIZ CONCORDANDO - Jonas Freier Ribeiro
31/07/2021 16:40 em ARTIGO

Alguns símbolos da nossa cultura retratam um grande impasse - ao passo que demonstram o que é venerado como orgulho de conquistas e marcas de uma identidade, carregam também marcas obscuras e até mesmo questionáveis. Uma vez que os heróis são sempre humanos, não é possível escapar da ambivalência de serem eles mesmos vilões sob algum ponto de vista. As estátuas, por exemplo, geralmente são uma homenagem que buscam eternizar a figura daquele que teve sua silhueta petrificada. Mas quem seria merecedor de tamanha honraria? 

Acontece que nem todo mundo concorda com essas homenagens. Nem todos se reconhecem na versão da história repassada como original e principal. Isso no mínimo gera uma revolta, um desejo por revolução e reconstrução da cultura. A partir desse desejo, surge, para alguns, o dever de uma “guerra santa” pela transformação cultural. Desconstruir para reconstruir. Destruir o que está posto para levantar “outros altares”. Imagino que grupos como o “Revolução Periférica”, que ateou fogo na estátua do bandeirante Borba Gato em São Paulo (24/07), trazem consigo essas motivações.

A civilização tal como a temos não é unificada. Somos uma pluralidade. Isso nos diferencia dos nossos mais antigos antepassados. Nessa diversidade operam forças para conservar aspectos tidos como essenciais e outras que querem transformar tais aspectos por entenderem que isso trava o desenvolvimento da civilização. A história é sempre esse movimento e por isso seu desenvolvimento é um “continuum” sem fim. O passado mais distante pode até cair no esquecimento, mas sempre nos influencia no presente. Nunca há uma ruptura radical, por mais que estátuas sejam derrubadas. 

Se símbolos culturais foram erigidos nalgum tempo, alguém o fez com certa leniência de outros. Se tal símbolo foi perdurando, é porque aquilo de alguma forma foi considerado importante para a memória ou até mesmo para a veneração, pelo menos de alguns. Mesmo que à custa de negligenciar toda a história envolvida, estabeleceu-se. O fato é que eles fazem parte da identidade de nossa cultura, por mais controversos que possam ser. É semelhante àqueles traços patológicos que carregamos e que até queremos nos desfazer, mas não conseguimos largar assim como quem larga um excremento no vaso e puxa a descarga. 

Dessa forma, não se mudam símbolos e monumentos culturais como se muda de roupa. Uma vez fixados, tornam-se traços de identidade, sejam eles saudáveis ou não. Mesmo arrancando estátua como se arranca um corpo estranho num procedimento médico, a memória não vai junto. Tirar algo que se tornou patrimônio não garante que toda a ideia envolvida também vá embora. O caminho para as mudanças sociais precisam passar pelo encontro com o contraditório. É necessário usar os meios civilizatórios para mudar a própria civilização. Caso contrário, destruímos aquilo que ora acabamos de começar a construir. 

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