Neste sábado (23), a história de torcedores que evitaram o desaparecimento do time dos seus amores pode escrever seu capítulo mais dourado. O Racing enfrenta o Cruzeiro pelo título da final da Copa Sul-Americana. Será a primeira conquista internacional desde 1988 de um clube de poucas taças, mas de muito amor. Há uma ligação deste jogo com a nossa realidade aqui, afinal, a vitória do Cruzeiro sinaliza ao Grêmio um adversário mais leve na próxima quarta-feira (27). Mas não é disso que quero tratar agora aqui. O que me anima a escrever sobre essa final em Assunção é a paixão de uma torcida por seu clube.
O Racing foi o primeiro clube argentino a ser campeão mundial, em 1966. No mesmo ano, claro, havia ganho a Libertadores. E, no anterior, o campeonato nacional. Depois disso, porém, viveu um longo inverno, com poucos rasgos de sol: a Supercopa de 1988, o Apertura de 2001, a Superliga Argentina de 2018/2019 e o Troféu de Campeões em 2019 (esses dois últimos com Coudet). Repetiu esse título em 2022, mas sem ser campeão de nada, numa manobra da AFA para não levar o Patronato à decisão cuja sede foi vendida para a Arábia Saudita.
Ou seja, em 58 anos, o Racing ganhou seis títulos. Nesse período, o Independiente, vizinho instalado a 100 metros, se tornou o Rey de Copas, com sete Libertadores, dois Mundiais e uma Sul-Americana. A maior conquista do Racing nesse longo inverno pontuado por alguns rasgos de sol quem deu foi o torcedor.
Em 4 março de 1999, a Justiça argentina decretou a falência do clube, atolado em dívidas de US$ 30 milhões. "O Racing deixou de existir", anunciou Liliana Ripoll, a síndica nomeada pela Justiça para guiar o processo de falência. A torcida ignorou. Três dias depois, mais de 30 mil foram ao El Cilindro. Mesmo sabendo que o jogo contra o Talleres, pelo Clausura, não sairia. Afinal, o clube acabara de ser dissolvido.
Aquela manifestação de amor sensibilizou a Justiça. Uma nova chance foi dada ao clube. Um processo de reestruturação foi iniciado, com a criação de uma empresa, a Albiceleste S/A, para gerenciar a reconstrução. Em 2009, o processo de falência foi extinto. Talvez seja por esse sentimento de pertencimento que os torcedores do Racing sejam tão fanáticos.
Neste sábado, 40 mil deles estarão em Assunção, mesmo que a carga de ingressos para o clube tenha sido de 12,5 mil ingressos. A estimativa é de que 80% do público no estádio seja do Racing.
Há muitas outras histórias que comprovam essa paixão neste time de 2024. Gustavo Costas, o técnico, era o zagueiro no time campeão em 1988. Como jogador, ninguém vestiu mais vezes a camisa do clube. Como treinador, está na terceira passagem, sem nenhuma taça. As lágrimas correram em seu rosto ao falar da final na entrevista oficial nesta semana. Aliás, sobre Costas, tem mais uma história.
Quando o treinador soube que um torcedor sem dinheiro e sem ingresso fez a pé e de carona os 1,3 mil quilômetros até Assunção, não sossegou até descobrir seu telefone. Por WhatsApp agradeceu "por apoiar o Racing" e presenteou-lhe com uma entrada no estádio. Os dois estarão juntos neste sábado (23), no Nueva Olla, em instâncias diferentes do clube. Mas movidos por uma paixão que faz deles símbolos de uma torcida que salvou o clube. Maior prova do amor do que essa, no futebol, não há.