Há 22 anos, em 3 de outubro de 2002, Cruz Alta, uma das cidades mais tradicionais do Rio Grande do Sul, foi devastada por um dos maiores desastres climáticos de sua história. Um tornado, com ventos entre 195 e 230 km/h, atingiu 80% da cidade, deixando um rastro de destruição que marcou profundamente a vida de seus habitantes. Embora o fenômeno não tenha causado mortes, o impacto na infraestrutura e no cotidiano foi imenso, e as lembranças desse dia ainda ecoam na memória dos cruz-altenses.
Cientistas especializados no estudo de tornados e furacões sugerem que o evento foi, na verdade, um furacão de categoria EF2, com ventos entre 180 e 250 km/h, o que explica o grau de destruição. As primeiras horas do dia 4 de outubro revelaram uma cidade em ruínas: árvores arrancadas como se fossem palitos, construções severamente danificadas e mais de 4 mil pessoas desalojadas. Destas, 1.500 ficaram completamente desabrigadas, e cerca de 2.500 casas tiveram seus telhados arrancados.
A cidade parou. Cerca de 70% da população ficou sem serviços básicos, como luz, água e telefone, e o comércio local foi fortemente impactado. Muitos estabelecimentos fecharam as portas, e até mesmo aqueles que não foram diretamente afetados decidiram encerrar as atividades mais cedo, temendo novos fenômenos climáticos.
A destruição foi tamanha que, em frente ao prédio da Prefeitura Municipal, formaram-se longas filas de moradores em busca de ajuda. O desespero era evidente, com pessoas clamando por materiais para reconstruir suas casas e por apoio para enfrentar a crise. O Corpo de Bombeiros de Cruz Alta e a Brigada Militar ficaram sobrecarregados, realizando atendimentos ininterruptos para socorrer a população.
O então prefeito de Cruz Alta, Doutor José Westphalen Corrêa, informou na época que os prejuízos estimados chegaram a R$ 6 milhões, uma cifra impressionante para um município do porte de Cruz Alta. Para acelerar a recuperação, a prefeitura contratou, em caráter emergencial, cerca de 40 pedreiros e carpinteiros, que trabalharam dia e noite para auxiliar na reconstrução das áreas mais atingidas.
Entre os locais mais devastados, um dos que mais chamou a atenção foi o CTG Querência da Serra, símbolo da tradição gaúcha na cidade. O vento arrancou completamente o teto da sede do clube, deixando os frequentadores chocados. Outro marco visual do desastre foi a antena de mais de 100 metros da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), que, devido à força do vento, foi torcida como se fosse um simples arame, criando uma cena que parecia retirada de um filme de Hollywood.
A tradicional Praça Erico Verissimo, no centro da cidade, também sofreu severamente. Conhecida por sua beleza, com árvores centenárias, a praça ficou irreconhecível. Árvores enormes foram arrancadas pela raiz, transformando o local em um cenário caótico e desolador. O impacto visual da destruição na praça deixou os moradores em choque.
Como se não bastasse o trauma do dia 3 de outubro, dois dias após o furacão, Cruz Alta foi novamente castigada por outro forte temporal. No dia 5 de outubro, por volta das 7h30, ventos de 100 km/h varreram a cidade, afetando ainda mais as estruturas já danificadas. Casas e serviços públicos que estavam sendo lentamente reconstruídos voltaram a sofrer novos prejuízos, aumentando o desespero da população.
O relato do doutor Alfredo Roeber ilustra o terror vivido naquela noite: “Estávamos deitados, prontos para dormir. Passava um pouco da 0:45 do dia 3 de outubro de 2002. Assistíamos ao debate político para governador do RS. O vento já começava a assoviar pelas frestas das janelas. Quando a energia elétrica acabou, o silêncio foi quebrado pela fúria do vento. O que se seguiu foi algo inimaginável: vidros estouraram, árvores inclinadas, e em poucos minutos o teto do CTG Querência da Serra já havia desabado. Era um pesadelo tornado realidade”, relembra.
Agora, 22 anos após o incidente, as marcas dessa tragédia climática ainda permanecem presentes, não apenas nas memórias dos moradores, mas também em algumas áreas que, mesmo com o tempo, ainda carregam os vestígios da destruição. Para muitos, aquele 3 de outubro continua a ser um dia inesquecível.
Curiosamente, pouco mais de um ano depois, em 11 de dezembro de 2003, outro tornado atingiu o estado, dessa vez no município de Antônio Prado, na serra gaúcha. Ao contrário do que ocorreu em Cruz Alta, esse evento resultou em cinco mortes, demonstrando a força destrutiva que esses fenômenos podem ter.
Cruz Alta segue reconstruída, mas jamais esquecerá o impacto daquele tornado. Cada 3 de outubro é relembrado como um marco de resiliência e superação de uma comunidade que se uniu para reconstruir seu lar.
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