Promotores do Ministério Público Estadual (MPE) de São Paulo estão aprofundando uma investigação que aponta para um suposto esquema de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC) por meio de agências que administram carreiras de jogadores de futebol. A denúncia, sustentada por mensagens, contratos e depoimentos, foi feita pelo empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, de 38 anos, que acusa dirigentes dessas empresas de canalizarem recursos ilícitos oriundos do tráfico de drogas para o mercado de transferências de atletas.
O Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) está à frente das investigações, que até o momento não envolvem diretamente jogadores, clubes ou dirigentes esportivos. Entretanto, o Gaeco apura se a origem dos recursos utilizados em negociações de jogadores tem ligação com o tráfico de drogas, uma das principais atividades ilícitas do PCC.
O acordo de delação premiada assinado por Gritzbach em abril de 2024 trouxe à tona o envolvimento de empresários como Danilo Lima de Oliveira, conhecido como Tripa, responsável pela Lion Soccer Sports. De acordo com o delator, Tripa também teria participação na UJ Football Talent, uma agência que, segundo ele, "não teria lastro financeiro" e opera no Simples Nacional. Outro nome mencionado na delação é o de Rafael Maeda Pires, o Japa do PCC, que teria influência nas operações da FFP Agency Ltda., do empresário Felipe D’Emílio Paiva. Maeda foi assassinado em 2023, mas, antes de sua morte, atuava ativamente nas decisões da agência.
Essas três empresas agenciam ou já agenciaram alguns dos principais nomes do futebol brasileiro e internacional, como Éder Militão, zagueiro do Real Madrid, Emerson Royal, lateral do Milan, Du Queiroz, meio-campista do Grêmio, e Igor Formiga, atualmente no Novorizontino. Entre outros jogadores citados na investigação estão Gustavo Scarpa (Atlético-MG), Guilherme Biro (Corinthians) e Murillo, ex-zagueiro do Corinthians e hoje no Nottingham Forest, da Inglaterra. Todos esses atletas aparecem como clientes ou ex-clientes das empresas investigadas.
A denúncia de Gritzbach faz parte de uma investigação mais ampla sobre a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas em São Paulo, especialmente na região do Tatuapé, bairro da zona leste da capital paulista. O empresário, que se tornou alvo do PCC após ser acusado de desviar R$ 100 milhões em bitcoins da facção, revelou detalhes sobre as operações financeiras do grupo criminoso ao firmar um acordo de delação premiada com o Gaeco. Um dos anexos da delação, intitulado "PCC Futebol Clube", descreve como os recursos ilícitos eram movimentados por meio do agenciamento de jogadores de futebol.
Como parte das provas apresentadas, Gritzbach entregou aos promotores cópias de conversas de WhatsApp entre Felipe D’Emílio Paiva e Rafael Maeda Pires, nas quais discutiam contratações de jogadores, assinaturas de contratos e pagamentos em real e euro. Além disso, o delator apresentou fotos de montes de dinheiro e evidências de pagamentos feitos pela FFP Agency Ltda. à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), comprovando que Maeda estava envolvido nas atividades da empresa. Para operar no Brasil, agentes de jogadores ou empresas de agenciamento devem pagar uma taxa única de R$ 8 mil à Fifa, além de R$ 250 por cada atleta registrado.
Em nota ao Estadão, a FFP afirmou não ter conhecimento da delação e garantiu que "todas as transações realizadas são pautadas na transparência e na legalidade". Já a Lion Soccer Sports não foi localizada para comentar as acusações. O empresário Ulisses Jorge, sócio da UJ Football Talent, também não foi encontrado.
Outras figuras importantes do futebol brasileiro também foram citadas na investigação. Em conversas obtidas pelos promotores, o ex-presidente do Corinthians Duílio Monteiro Alves e o ex-jogador Danilo, que foi técnico do time sub-20 do clube, são mencionados em discussões sobre atletas. Duílio negou qualquer relação pessoal ou comercial com Rafael Maeda Pires, o Japa do PCC, e afirmou que seu nome pode ter sido citado em negociações por conta de sua posição de destaque no futebol brasileiro.
O Corinthians, por sua vez, declarou ter recebido "com enorme surpresa" as notícias sobre a possibilidade de atletas supostamente agenciados por integrantes do crime organizado terem firmado contratos com o clube. A atual gestão do clube assegurou que esses contratos foram assinados antes de assumir o comando do clube e se colocou à disposição das autoridades para fornecer qualquer documento necessário para a investigação.
Os promotores continuam ouvindo Gritzbach e outros envolvidos para reunir mais provas sobre o suposto esquema de lavagem de dinheiro, que teria envolvido recursos do tráfico internacional de drogas para o financiamento das operações no mercado de futebol.