A enchente que deixou 180 mortos no Rio Grande do Sul colocou a situação do Guaíba no centro das preocupações de autoridades, pesquisadores e da população do estado nos últimos meses. O cenário para o futuro também exige atenção: o aumento do nível do mar, a chance de seca e a salinização das águas da Lagoa dos Patos podem comprometer o abastecimento de água em Porto Alegre e na Região Metropolitana.
O alerta é do cientista Nelson Ferreira Fontoura, diretor do Instituto do Meio Ambiente (IMA) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). O pesquisador publicou um texto comentando a possibilidade nos próximos anos. "Se a gente junta, no futuro, essa elevação no nível do mar, com uma seca decorrente de uma La Niña mais forte, nós vamos ter uma penetração gradativa da salinidade que vai subir ao norte da Lagoa dos Patos, podendo entrar no Guaíba", diz Fontoura.
A Lagoa dos Patos recebe água doce dos rios que desaguam no Guaíba (como Jacuí, Sinos, Gravataí, Caí e Taquari), mas também recebe água salgada do mar, pois tem conexão com o Oceano Atlântico. Por isso, em alguns pontos, apresenta índices consideráveis de salinidade da água. Essa água é imprópria para o consumo de seres vivos, bem como para o uso na agricultura. Em lugares onde há esse cenário, é necessário dessalinizar a água para que ela seja tratada para o consumo, ou captar água doce em outro local.
Fontoura aponta, com base em dados do Sea Level Center (Centro de Nível do Mar, em português) da Universidade do Havaí, que as taxas atuais de elevação do Oceano Atlântico na região da costa do RS são de três a quatro milímetros por ano. Ou seja, a cada 10 anos, o aumento mínimo do nível do mar no estado fica entre três e quatro centímetros.
A diferença de nível entre os dois corpos d'água varia de 20 a 80 centímetros, entre o fim do Guaíba, em Itapuã, no município de Viamão, e o fim da Lagoa dos Patos, em Rio Grande. "Na maior parte das vezes, a diferença de nível de um extremo e outro é menor que 20 centímetros. Essa diferença é derivada em função do vento. Basicamente, a Lagoa dos Patos é essencialmente plana em relação ao nível do mar. Se o nível do mar sobe, essa água marinha em elevação acaba penetrando na lagoa e salgando a parte central e norte da lagoa", explica Fontoura.
Para o professor, em situações extremas de pouca chuva e de ventos que sopram do sul e do sudeste, as águas salinas poderão atravessar a Lagoa dos Patos em direção ao norte, chegando no Guaíba. "O desnível é tão baixo que uma elevação considerável de algumas décadas já seria suficiente para conseguir levar um pouco de água salina para a parte norte da lagoa", afirma Fontoura. Segundo o cientista, "há risco concreto de salinização eventual da principal fonte de água doce da região".
As cheias são um resultado do mesmo problema que provoca o risco de salinização: os eventos extremos cada vez mais frequentes. Enquanto a chuva intensa leva muita água dos rios ao oceano pela Lagoa dos Patos, os períodos de seca, potencializados pelo La Niña, têm efeito contrário, fazendo com que a água do oceano alcance pontos mais distantes da lagoa.
Embora não haja previsões concretas, o fenômeno poderia impactar a região em cerca de 25 a 30 anos. "Embora tenha incertezas, existe uma previsão de que o nível do mar possa subir cerca de 25 a 30 centímetros até 2050, 2060. Essa elevação já é maior do que a diferença de nível, na maior parte do tempo, entre o norte e sul da Lagoa dos Patos", diz o diretor do IMA/PUCRS.
Fontoura explica que é fundamental que a sociedade atue de forma a prevenir e mitigar os impactos das mudanças climáticas, embora seja difícil evitar o aquecimento da atmosfera, já em curso. Uma das alternativas sugeridas é estudar a possibilidade de construção de uma adutora de água na barragem-eclusa de Amarópolis, em General Câmara, no Rio Jacuí, a cerca de 70 quilômetros da Capital. Questionado sobre a criação de usinas de dessalinização da água, o especialista destaca que o RS poderia encontrar soluções mais baratas com a água doce já disponível.
Apenas na região metropolitana de Porto Alegre, cerca de 4,4 milhões de pessoas sofreriam com a salinidade das águas da Lagoa dos Patos e do Guaíba. O problema também afetaria a Costa Doce e os municípios no fim da lagoa, como Pelotas, Rio Grande e outras cidades, onde vivem cerca de 950 mil pessoas.
Com informações: Jornalista Fernando Kopper
Fonte: GZH