Offline
Como agem as quadrilhas suspeitas de manipular resultados no futebol gaúcho
NOTICIAS
Publicado em 17/09/2022

As ações registradas no Rio Grande do Sul pouco diferem de casos conhecidos em outros Estados e até fora do país. O modus operandi envolve captação de clube, convencimento de dirigentes, organização de time e a manipulação em si. Criminosos escolhem um clube de pouco apelo popular, baixa cobertura de imprensa, filiado à Federação e que aceite terceirizar o departamento de futebol. GZH teve acesso a um contrato de uma agremiação do Interior com um suposto empresário. Os nomes das duas partes serão mantidos em sigilo.

O acordo é costurado para a disputa do Gauchão Sub-20. Um investidor se apresenta como proprietário de uma empresa de “assessoria esportiva” com sede em São Paulo e oferece o vínculo de um ano. Para isso, ficaria como responsável por todas as despesas da categoria. Nelas, estão incluídos salários, alimentação e hospedagens de jogadores e comissão técnica, mais os custos por deslocamento para treinos e jogos, aquisição de materiais esportivos e pagamento das burocracias como taxas de inscrição, dívidas com a FGF, ambulâncias e segurança. Em troca, a empresa fica com 60% dos direitos econômicos ou de captação de todos os atletas. Em termos financeiros: os empresários aplicam R$ 70 mil na esperança de surgimento de um jogador que se destaque o suficiente para ser negociado.

 

Na prática, porém, ocorre algo bem diferente. Os empresários trazem técnicos e alguns jogadores de sua confiança, com histórico de derrotas em outros clubes, e repetem os maus desempenhos nos campeonatos gaúchos. O time perde jogos, às vezes por placares elásticos, fica na parte de baixo da tabela. Nessas partidas, são feitas apostas em variados mercados: resultados, gols, cartões. De preferência em sites pouco conhecidos, registrados em locais sem regulamentação. Ao final do campeonato (e às vezes até antes disso), vão embora e tentam aplicar o mesmo golpe em outro Estado, deixando dívidas nos clubes e até desilusão nos meninos da cidade ou da região que não faziam parte do esquema.

— As equipes são formatadas para fins de simular resultados e, assim que alcançam o objetivo econômico ilícito, eles se desfazem, migrando para outras regiões. Isso dificulta a investigação — afirma o delegado Gabriel Bicca.

Segundo Felippe Marchetti, doutor em Integridade do Esporte pela UFRGS e autor de livro  sobre o tema, quando há envolvimento do crime organizado, a cooptação de jogadores para as manipulações utiliza pessoas do meio esportivo, como ex-atletas com passagem pelo futebol asiático e com boa relação entre seus pares, que “atestam segurança” para a oferta, aumentando a credibilidade dos manipuladores. Geralmente, há uma abordagem de ganho de confiança entre os atores. Já quando a propina é oferecida  por “lobos solitários”, grupos de empresários ou treinadores, a abordagem costuma ser mais direta, por vezes envolvendo ameaças à integridade física ou de demissão dos atletas.

— Os alvos preferenciais são atletas com dificuldades financeiras — completa Marchetti.

A detecção do crime, porém, não é simples. Uma das razões é que, de fato, há empresários que querem investir em um mercado como o gaúcho, para captar e descobrir talentos mesmo. Outra é que um clube tem direito de participar de competições. Especialmente quando são agremiações tradicionais, que passam por dificuldades financeiras.

Marchetti traz outro dado relevante. Quadrilhas assim podem agir sob ordens de superiores. Ou seja, o “coordenador” da empresa que busca o clube do Interior não necessariamente é o cabeça da operação. Ele pode ser apenas um “braço regional” de uma organização maior, inclusive internacional.

Formas de montar esquemas de manipulação

Felippe Marchetti, doutor em Integridade do Esporte pela UFRGS e autor de livro sobre o assunto, afirma que existem quatro formas de montar um esquema de manipulação de resultado.

  1. Atleta agir sozinho para buscar o item apostado (gol, escanteio, cartões etc.).
  2. Apostador independente (lobo solitário) procurar um atleta ou árbitro para alcançar o objetivo pretendido com sua aposta. Foi o caso da Máfia do apito, em 2005.
  3. Um grupo — normalmente formado por diretor, técnico e mais um integrante de comissão técnica — assumir um clube e ordenar, de cima para baixo, a realização dos resultados desejados.
  4. Envolvimento de organização criminosa internacional – grupo criminosos especializados em adulterar partidas, com coordenação e financiamento provenientes do sudeste asiático, operam com células regionais espalhadas por diversos lugares. Dirigentes, técnicos e atletas seriam como “funcionários” desses grupos, com funções que vão desde a identificação de alvos vulneráveis, aproximação para oferecimento da propina e pagamento das mesmas quando da manipulação bem sucedida.

         Modo de ação no RS é semelhante ao visto em outros locais do mundo Lauro Alves / Agencia RBS

Fonte: GZH

Comentários
Comentário enviado com sucesso!