Se há algo que Cruz Alta sabe preservar, é o abandono de seu patrimônio histórico. A velha Locomotiva A 42, que repousa (ou agoniza) em frente à igualmente esquecida Estação Ferroviária, acordou nesta sexta-feira (27) com uma nova camada de tinta – mas não se engane, não foi uma restauração. A locomotiva centenária, já maltratada pelo tempo e pelo descaso, recebeu um presente típico de sua condição: pichação por vândalos. Porque, afinal, quando o abandono parece estar no limite, sempre dá para piorar um pouquinho.
A Locomotiva A 42, para quem não sabe, não é qualquer relíquia. Fabricada em 1911 na Inglaterra, ela veio ao Rio Grande do Sul para tracionar trens da antiga Brazil Great Southern (BGS), ferrovia que cortava o estado entre Itaqui e Barra do Quaraí. Do seu modelo, apenas duas vieram ao Brasil: a 42, que tenta resistir em Cruz Alta, e a 43, cujo paradeiro é um mistério. Hoje, a pequena loco-tanque – uma raridade do tipo Pacific – permanece exposta a céu aberto, vulnerável às intempéries, ao vandalismo e ao inevitável esquecimento.
E pensar que, em 1994, a mesma locomotiva foi restaurada com pompa e orgulho para celebrar seu centenário. Na época, ela ainda estava em um espaço mais protegido. Com o tempo, porém, o destino a empurrou para frente da velha estação ferroviária, cercada por grades que, sejamos sinceros, não duraram muito. Peças foram arrancadas, as grades desapareceram, e o que sobrou foi um convite aberto a qualquer um disposto a “deixar sua marca” na história de Cruz Alta.
A situação não é de hoje. A locomotiva já é ponto de encontro para usuários de drogas e abrigo para quem não tem onde passar a noite. As marcas de ferrugem disputam espaço com o lixo, enquanto os trilhos da memória parecem seguir apenas em direção ao esquecimento. E, claro, há sempre promessas de restauração, projetos ambiciosos que aparecem em discursos e somem no cotidiano. Dizem que existe um plano para revitalizar tanto a estação quanto a locomotiva. Mas, em um país onde as promessas duram menos que as cercas que protegem o patrimônio, não é de se estranhar que o plano esteja empilhando poeira em alguma gaveta.
Enquanto isso, a velha A 42 segue resistindo como pode – agora com mais uma camada de pichação para contar sua história. Talvez, um dia, a cidade perceba que não basta ter história. É preciso preservá-la. Até lá, a locomotiva vai continuar seu lento e silencioso apito de socorro. Resta saber se alguém vai ouvir.
Com informações: Jornalista Fernando Kopper