Há 30 anos, os brasileiros enfrentavam uma corrida desenfreada aos supermercados assim que o salário chegava, para estocar tudo o que fosse possível. No dia seguinte, os preços já estavam reajustados. Etiquetas sobrepostas para remarcação de produtos eram comuns, e a instabilidade econômica tornava impossível o planejamento financeiro familiar. “A vida era um desespero”, define a economista e professora de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carla Beni.
A entrada em circulação do real em 1º de julho de 1994 mudou completamente o cenário. Naquela época, a inflação mensal superava 80%. A implementação da nova moeda ocorreu de forma processual, após seis planos anteriores fracassados. “Tínhamos um somatório do que deu errado. Uma lista do que não fazer”, explica a economista.
Fernando Ferrari Filho, professor titular do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), enfatiza que, diferentemente de outros planos de estabilização monetária como Cruzado, Bresser e Collor, que se baseavam no congelamento de preços, o Plano Real adotou uma estratégia em três fases. “Inicialmente, ocorreu um ajuste fiscal emergencial. Em segundo lugar, houve a desindexação dos ativos da economia através da introdução da URV (Unidade Real de Valor). Por fim, em julho de 1994, consolidou-se a reforma monetária com a introdução do real como moeda de curso legal.”
Com a criação do real, duas âncoras foram cruciais para estabilizar os preços: a cambial, que equiparou a moeda nacional ao dólar, e a taxa de juros, que atraiu fluxos de capitais externos. Nos primeiros anos, houve uma melhora no poder de compra da população e o consumo de bens cresceu, beneficiando a distribuição de renda.
Ao longo de três décadas, o Plano Real foi bem-sucedido em estabilizar e controlar a inflação no Brasil. No entanto, o crescimento econômico do período foi baixo, com uma taxa média de elevação do PIB de 2,2% ao ano. “O Plano Real foi um plano de estabilização monetária que, em momento algum, se preocupou em apresentar uma estratégia pró-crescimento econômico”, avalia Ferrari.
Carla Beni destaca que, além da estabilização da moeda, o Plano Real reduziu a população considerada miserável de 35% para 22% em dez anos. “Essa população consome a renda com itens básicos, principalmente”, explica a economista, destacando que a estabilização econômica também contribuiu para a legitimidade da dívida pública interna, permitindo financiá-la em reais.
Entretanto, a taxa de câmbio valorizada do início do plano afetou o setor exportador, resultando em um déficit na balança comercial de quase 12 bilhões de dólares entre 1994 e 1998. Este saldo negativo só foi revertido em 2001, quando a taxa de câmbio passou a ser flexível. Hoje, o setor externo dinamiza a economia brasileira, com a balança comercial atingindo um saldo de quase 100 bilhões de dólares em 2023.
Passados 30 anos, o legado do Plano Real é o controle da hiperinflação, que ficou no passado dos brasileiros. Embora existam críticas, Carla Beni avalia que não há expectativa nem necessidade de um novo sistema para substituir o atual.
Em 1994, a substituição integral das cédulas exigiu uma operação de produção e distribuição coordenada pelo governo federal. Além da Casa da Moeda, que fabricou todas as notas de R$ 1 e R$ 100, três fornecedores estrangeiros produziram 260 milhões de cédulas de R$ 5, R$ 10 e R$ 50. Durante a implementação, o Movimento das Donas de Casa e outras entidades fiscalizavam os preços para evitar distorções, chegando a organizar boicotes e “escambo doméstico” em Porto Alegre para pressionar a redução dos preços.
Com informações: Jornalista Fernando Kopper