Preocupadas com a perda de recursos, centenas de prefeituras de todo o País, devem acionar a Justiça para pedir revisão dos dados populacionais do censo que contou a população do Brasil. A quantidade de moradores impacta os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), receita importante para a maioria das cidades brasileiras. Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), 770 cidades receberão menos recursos do FPM devido à população menor contada pelo Censo Demográfico de 2022, divulgado no último dia 28. Em comunicado divulgado nesta segunda-feira (3), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
defendeu a "qualidade e confiabilidade" do censo.
O FPM, principal receita para 7 de cada 10 municípios brasileiros, tem entre os fatores de cálculo do repasse a quantidade de moradores. A queda na população reduz o valor. As perdas, somadas, chegam a R$ 3 bilhões, segundo a CNM. Ao menos 600 prefeituras participaram de uma reunião virtual e presencial realizada pela CMN para discutir as perdas. Os municípios já receberam minutas de ações que podem ser propostas no Judiciário na tentativa de evitar a redução. Segundo a confederação, o impacto é maior em regiões mais carentes: 29% das cidades do Norte terão coeficiente menor; 18% do Nordeste; 11% do Sudeste e Centro-Oeste, e 8% do Sul.
O Censo Demográfico estava programado para 2020, mas só começou em 2022 devido a fatores como a pandemia de covid-19. Houve atraso na conclusão do trabalho de campo e, quando saiu o resultado, foi apontada uma redução de 4 milhões de habitantes no País, frente à previsão divulgada em dezembro de 2022, e de 10 milhões se considerada a estimativa do IBGE feita em 2021.
— Desvios muito acentuados entre a população estimada e a efetiva, conforme se mostrou neste Censo, apontam para erros de estimativas com sérias consequências para a gestão municipal — disse a CNM.
Com o apoio de federações estaduais, a confederação disse que vai atuar junto ao Congresso e ao governo federal para uma nova contagem populacional em 2025 "a fim de levantar dados efetivos e corrigir as distorções decorrentes do levantamento". Conforme a CNM, a lei prevê uma contagem a cada cinco anos em cada município, mas não foi feita em 2015.
— Além disso, o censo demográfico teve atrasos e intercorrências graves decorrentes da falta de verbas e estrutura destinadas à sua realização — disse, apontando a dispersão de recenseadores que tiveram salários pagos com atraso.
No mesmo dia em que os números foram divulgados, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Complementar 198, evitando a queda brusca nos repasses do FPM para as cidades que tiveram redução populacional. A norma prevê uma transição de dez anos para que os municípios se enquadrem no novo índice, atenuando gradativamente a redução do recurso. Conforme a CNM, a lei beneficia de imediato 1.019 cidades, que terão a perda escalonada.
Mesmo assim, muitos municípios preparam ações contra o resultado do censo. A prefeitura de São Gonçalo (RJ), informou nesta segunda-feira (3) que a Procuradoria Geral do Município está analisando os dados e deve ingressar com contestação judicial a fim de garantir, ao menos, a manutenção dos valores atuais do FPM.
— A perda de recursos do Fundo pode impactar consideravelmente o município, cujos indicadores socioeconômicos apontam um cenário preocupante. Cerca de 63% das famílias registradas no CadÚnico (cadastro para programas sociais) estão em situação de pobreza ou de extrema pobreza — disse.
O município sofreu uma redução de mais de 200 mil habitantes, registrando 896.744 cidadãos, enquanto a estimativa de 2021 apontava 1.098.357 moradores.
— A prefeitura acredita que os dados atuais do censo demográfico não refletem a realidade, já que o município possui 495.325 inscrições imobiliárias, com média de 2,5 habitantes por residência, o que permite estimar um quantitativo de mais de 1,2 milhão de habitantes — disse.
Segundo a prefeitura, o número insuficiente de recenseadores, a quantidade de domicílios fechados e de pessoas que não quiseram responder à pesquisa podem explicar a drástica redução populacional no município.
Em Venâncio Aires (RS), a população de 68.653 ficou abaixo da estimativa do próprio IBGE, de 72.373 habitantes, causando queda no índice que compõe o FPM. Com o orçamento reduzido, pode ser necessário cortar despesas para não exceder o limite de gastos, segundo a prefeitura. O município entrou com recurso no IBGE e deve entrar também com ação judicial, segundo o prefeito Jarbas Rosa (PDT).
— Em todo o Brasil houve problemas. O período de coleta dos dados foi muito tumultuado: eleições, festas natalinas, férias escolares, final de covid, mudança de governo, mudança de recenseadores. Há muito o que contestar — disse.
Em Irapuru, no oeste do Estado de São Paulo, a população caiu de 7.789 moradores para 5.938, segundo o IBGE. A queda no número de moradores não deve causar redução no FPM, já que a cidade se mantém na faixa de até 10 mil habitantes, mas não condiz com a realidade do município, segundo a prefeitura.
— No mesmo dia da divulgação, o prefeito Mazinho (DEM) entrou em contato com o IBGE para contestar a queda no número de habitantes — disse, em nota.
O município espera uma revisão dos dados, pois indicadores urbanos, como ligações de água e coleta de lixo, apontam uma população maior.