— Igual ao meu, duas portas e completaço, só fizeram mais cem. Conheço um outro aqui no Rio Grande do Sul e nunca vi registro de mais nenhum desta edição limitada. É mais do que um Del Rey, virou meu carro preferido — declara o colecionador.
Com poucos registros sobre essa série especial na internet, Ben-Hur percebeu que o carro tinha algo diferente quando encontrou o conjunto elétrico original de antena, vidros, travas, alarme e relógio digital — atrações inéditas em um veículo nacional nos anos 1980. Desde a compra, em outubro de 2013, até o fim da reforma, em 2017, ele foi atrás dos registros de cada um dos três donos que desfrutaram do carro antes dele. Quando encontrou com um deles o estojo do manual do veículo em couro vermelho e “250 mil” escrito em dourado na capa, não teve mais dúvidas.
— Conheço a história de todos os meus 10 carros. O Del Rey saiu da fábrica no dia 8 e foi emplacado no dia 14 de dezembro de 1987, uma encomenda super-rápida, entregue em Maravilha, Santa Catarina. O primeiro dono teve o carro por só seis meses. Conversei com ele em 2014, para certificar a procedência. Em 1993, tiraram o emblema dos 250 mil da lateral depois de uma batida. Foi para um terceiro dono em 1994, quando chegou a Guaporé, onde eu comprei em 2013 com 90 mil quilômetros — explica Ben-Hur.
A busca de informações teve a ajuda de amigos colecionadores e comerciantes de carros clássicos, além de ex-vendedores da própria Ford. A ampla rede de contatos faz parte da vida de Ben-Hur desde a infância, quando ele auxiliava a família a tocar os negócios de uma concessionária, uma mecânica e uma frota de táxis em Porto Alegre.
— Desde pequeno, já estava dentro da loja e da oficina. Este segue sendo o negócio dos primos até hoje. O meu primeiro carro foi um DKV, comprei com 14 anos. Trabalhei por 25 anos fabricando, importando e distribuindo peças para o continente. Hoje, faço só serviços de clientes selecionados, pois cada restauro leva pelo menos um ano e meio — comenta.
Por que o Del Rey?
Teponti, cuja história de colecionador reúne Kombi, DKV, Ford Falcon, Mercedes, Chevette, Megane, entre outros, destaca que a ideia de comprar um Del Rey veio das memórias afetivas. O pai, Itacir Teponti, era fã do trabalho iniciado por Henry Ford, tendo sido feliz proprietário de todas as edições de Corcel, Del Rey e Escort, de acordo com Ben-Hur, enquanto o tio dele, Antônio Brandão, preferia a Chevrolet, com seus Chevettes, Caravans e Opalas. Assim, quando teve problema com um Marea enquanto voltava de São Paulo pela BR-101, em viagem que, segundo ele, precisou ser feita a 80 quilômetros por hora por conta da avaria no carro de ano 1999, lembrou da confiança dos parentes nos modelos norte-americanos.
— Lembrei da época dos carros do pai, que rodavam a vida toda ida e volta de São Paulo e nunca davam nenhum problema. Aí deu vontade de ter um. Quando entro nele hoje, me vêm as lembranças das nossas viagens com o Del Rey do avô José, quando a família toda ia para Pinhal e Cidreira. O banco traseiro era o melhor lugar do carro, muito espaçoso, macio e confortável — ressalta, pontuando que ele e o primo Glécio Brandão são os únicos familiares que seguem vivos.
Apesar da nostalgia, o conhecimento técnico o faz admitir que o Del Rey Ghia não tinha o melhor desempenho do mundo. Ainda que o conforto da suspensão siga notável até hoje, o luxo do câmbio automático era limitado a três marchas. A bateria era rapidamente consumida pelo ar-condicionado e por itens como relógio digital e regulador elétrico dos espelhos retrovisores. O que nos anos 1980 era anunciado como “o requinte do requinte” é uma relíquia real, com limitações que também contam a história da época.
— Ter câmbio automático não era confortável como é hoje. A única diferença é que não precisava de embreagem, mas o motor não tinha força para passar de cem por hora na estrada ou encarar uma subida. Alguns defeitos são próprios do Del Rey, marcaram a época e morreram com ele quando parou de ser feito em 1991. Poderiam até ser resolvidos com peças modernas atualmente, mas eu prefiro manter original, pois sou purista — destaca, orgulhoso de conseguir fazer seu colecionável rodar nas estradas a caminho de encontros e premiações.
A história do modelo
O Del Rey foi lançado em 1981 para substituir o Corcel, que foi o herdeiro menos potente dos espaçosos Galaxie, Landau e Maverick. Os clássicos perdiam popularidade justamente pelo alto nível de consumo de combustível para alimentar os fortes motores. Foi lançado em versões sedãs de duas e quatro portas e uma versão perua, a Scala. Era concorrente do Opala, da Chevrolet, e foi bem-sucedido. Vendeu quase 350 mil unidades de 1981 a 1991, segundo portais especializados.
Chamava atenção por ter câmbio automático, ar-condicionado, travas elétricas, relógio digital junto às lâmpadas de leitura e direção hidráulica em uma época na qual tudo isso era item de luxo.
“Questão de requinte em matéria de requinte”, dizia o vídeo publicitário de lançamento, que destacava os itens automatizados, então inéditos em automóveis nacionais.
A direção, mais leve do que a mecânica, passou a ser item de série em 1986, um ano depois de o carro ganhar as versões GL, GLX e a top de linha Ghia.
“Se em matéria de tecnologia e design ele não foi um ‘ponta-de-lança’, por outro lado cumpriu com heroísmo sua missão: com seus limitados recursos, enfrentou crises econômicas e soube defender os valores da marca no páreo dos carros nacionais de luxo”, aponta Sérgio Berezovsky, em matéria de 2016 da revista QuatroRodas.
Gilberto Leal, especialista em veículos e colunista em GZH, afirma que o Del Rey foi resultado de uma mudança cultural e econômica da época. Nos anos 1980, as mudanças nos preços do petróleo afetou a indústria automobilística e fez com que os motores ficassem menos potente para consumir menos etanol. O acabamento, no entanto, era o grande destaque do sedan de luxo:
— O design, a sofisticação e os recursos agradaram, mas o problema foi o motor, exatamente por ser derivado do Corcel que tinha pouca potência e força. O novo sedã médio agradou e nos 10 anos que ficou em linha recebeu aperfeiçoamentos. O impacto foi imediato com vendas superando a expectativa. O visual foi atualizado por mais de uma vez e os motores aperfeiçoados, mas com o tempo foi perdendo a atração.
Design italiano
O brasão e sufixo Ghia fazem referência ao estúdio de design Carrozzeria Ghia & Gariglio. Fundada por Giacinto Ghia e Gariglio, dois engenheiros automotivos, em 1915, em Turim, na Itália, assinou dezenas de projetos comerciais na Europa, Estados Unidos e Brasil — como o Del Rey e o Escort nos anos 1980.
José Ben-Hur levou quatro anos para recuperar o Del Rey com a peças originais ou equivalentes de fábrica. Foto: Jefferson Botega / Agencia RBS
Fonte: GZH
Rádio Cidade Cruz Alta e Jornal Tribuna das Cidades