Um grupo de idosos que reside na Região Central do Rio Grande do Sul contratou, sem saber, empréstimos consignados achando que os valores recebidos eram ressarcimento de juros abusivos pagos em dívidas passadas. Há pelo menos 13 vítimas em São Vicente do Sul.O dinheiro foi liberado sem a necessidade de qualquer assinatura em contratos. As transações bancárias foram permitidas porque os estelionatários utilizaram a tecnologia de reconhecimento facial para autenticar os negócios (saiba mais abaixo).
Em entrevista à RBS TV, as vítimas contaram que foram procuradas por seis golpistas que se passavam por funcionários do governo ou do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em duplas ou trios, os estelionatários realizavam reuniões com as vítimas em que diziam que os aposentados tinham direito a serem ressarcidos por juros abusivos cobrados em empréstimos consignados que contrataram nos últimos anos.
A história veio à tona a partir do relato de um associado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade. Ele foi ao local contar aos colegas da “novidade”.
“[Ele] entrou aqui no sindicato nos perguntando se a gente sabia de devolução de juro a fundo perdido de empréstimo consignado. Pessoas que se diziam do governo tinham feito a oferta. Eu disse pra ele, ‘nunca ouvi falar. Isso é golpe’. E ele ‘não, não é golpe porque o dinheiro já está na minha conta'”, afirma Ilena Zuquetto Flores, funcionária do sindicato.
O casal Neusa e Airton Rumpel foi enganado pelos golpistas.
“Disseram que eu estava pagando juros demais no empréstimo que eu tenho no banco e que eu ia receber todo esse juros de volta. Daí, a gente perguntou pra eles: ‘quem vai devolver esse dinheiro?’. Eles falaram: ‘é o INSS, é o governo'”, diz Airton.
Só que o dinheiro que entrava na conta dos aposentados era, na verdade, um empréstimo que eles contratavam sem saber. Os supostos funcionários do governo eram vendedores de empréstimos consignados.
Acompanhada da neta, outra aposentada que foi vítima, e preferiu não ser identificada, disse que recebeu em sua conta dois empréstimos de bancos diferentes, um de R$ 12 mil e outro de R$ 14 mil.
“Ele disse ‘não, é normal. Porque como tua avó tem um valor muito grande a receber, de juros, o INSS depositou em duas contas diferentes. Não ia entrar todo esse valor só numa conta'”, relata a neta da vítima.
Agora, a agricultora, que ganha um salário mínimo de aposentadoria, vai ter que arcar com descontos de R$ 385 e R$ 328 reais por mês para quitar os dois empréstimos.
Com outra vítima, Jussara Brum Paiva, a situação foi pior porque o valor sequer foi depositado na conta, mas o desconto no contracheque já começou a ser feito.
“Me chamaram para uma reunião onde apresentaram essa oportunidade e eu vim. Eu teria direito a R$ 6 mil. Só que esses R$ 6 mil, até hoje, não chegaram na minha conta e já estão me descontando”, lamenta.
O reconhecimento facial
Conforme as vítimas, os estelionatários sempre pedem às vítimas para que tirem uma foto, que serve para confirmar a identidade delas e assim haver a liberação do dinheiro. Uma assinatura não é necessária. É o que se chama de reconhecimento facial.
Normalmente utilizada para autenticar acesso a aplicativos de órgãos governamentais, bancos e programas de fidelidade, o reconhecimento facial exige cautela dos consumidores, alerta o delegado que responde por São Vicente do Sul, Edson de Freitas Reis.
“Hoje, se percebe que alguns contratos dispensam a assinatura do contratante, bastando cópia dos documentos e também uma foto que comprove que a foto daquela pessoa é a mesma foto daquele documento cuja cópia está na posse dessas pessoas”, diz o delegado Reis.
Ele diz que chama a atenção que os golpistas sabiam detalhes bancários das vítimas, ou seja, tinham acesso a informações pessoais.
“Essas vítimas que foram abordadas, todas elas já tiveram algum empréstimo no período anterior. Daí eles utilizam essa história do fundo perdido, ou seja, esses juros de outros empréstimos pretéritos já realizados. Então, eles demonstram esse conhecimento da vida financeira dessas pessoas”, diz.
A Defensoria Pública acompanha o caso e prepara medidas legais para tentar devolver o dinheiro dos empréstimos, cancelar os descontos em folha e buscar uma indenização.
“A gente fica bastante sensibilizado porque, além de estarem sendo enganadas, isso acaba comprometendo demasiadamente a renda de pessoas que precisam desse valor para pagar suas despesas, medicamentos e aluguel”, afirma o defensor público Rafael Madagnin.
Fonte: G1