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Tão perigoso quanto fumar 100 cigarros? Pesquisador explica estudo sobre relação entre erva mate e câncer
SAÚDE
Publicado em 02/03/2022

Uma publicação do jornal americano New York Post causou polêmica no último fim de semana, afirmando que o consumo de erva mate causa risco de desenvolver câncer. Usuários do Twitter fizeram piada com a postagem. Veja abaixo.

A reportagem "Beber esse chá é tão perigoso quanto 'fumar 100 cigarros'', publicada no último dia 25, sustenta que a bebida contém uma substância que pode estar ligada a casos de câncer, especialmente de esôfago, chamada PAH (sigla em inglês para hidorcabonetos aromáticos policíclicos).

O texto apresenta como fonte um estudo, publicado em 2008. Um dos autores da pesquisa, o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Renato Fagundes, afirma que a manchete é sensacionalista, e explica que os achados deste estudo devem ser entendidos dentro de um contexto.

Segundo ele, estudos antigos observacionais [ou seja, sem experimentos] demonstravam a alta incidência de câncer de esôfago entre consumidores do mate. "É uma associação. Não dá pra falar em causa e efeito", resume. Além do chimarrão, as pessoas também consumiam mais cigarros e álcool do que a população em geral.

Em 2004, o professor realizou seu pós-doutorado no National Cancer Institute, nos Estados Unidos, com a proposta de analisar o consumo das ervas usadas no estado para verificar a exposição à substância.

Ele e os demais pesquisadores conduziram um experimento, que demonstrou a presença de um dos PAH, o benzopireno, em amostras de infusão realizadas para a pesquisa. A quantidade da substância seria equivalente ao que contém em um pacote de cigarros.

Outros estudos demonstram que o benzopireno é gerado durante o processo de secagem, que normalmente é feito com o uso de fogo e fumaça, e que adiciona substâncias no processo de combustão.Esses achados, alerta o professor, devem ser entendidos com cautela. "Basta ir ali na Redenção [parque de Porto Alegre] que vocês vão ver gente passeando com a cuia na mão e a térmica debaixo do braço. É um hábito muito arraigado na nossa população. Tem que ter cuidado pra não assustar, criar pânico de que vai desenvolver câncer de esôfago [se tomar chimarrão. Precisa de um somatório de fatores pra que isso aconteça", explica.

O grupo de pesquisadores prossegue com os estudos. O objetivo é verificar se o benzopireno pode ser encontrado na mucosa esofágica, explica o professor.

O professor afirma que ele mesmo toma chimarrão eventualmente. "Não tem problema porque eu não fumo, bebo em quantidade limitada e muito ocasionalmente. Então realmente o grande problema hoje em dia tá nessa associação das três coisas, aqui na nossa região", explica. Segundo Fagundes, ele não foi procurado pela publicação americana para mais esclarecimentos do estudo.

A oncologista do Hospital de Clínicas Alice Zelmanowicz lembra de outro fator de alerta, a temperatura da água. "Existe sim a suspeita principalmente da temperatura da água. A ingestão de grandes volumes de chás a essa temperatura aumenta o risco de câncer de esôfago", menciona.

 

 

Fabricantes alertam para temperatura do chimarrão

 

A correlação entre as temperaturas altas e os casos de câncer entre consumidores de chimarrão também já foi pesquisada, segundo o professor Renato Fagundes. "Mais de 80 ou até 100 graus vai causar uma lesão térmica, uma agressão à mucosa esofágica e na sequencia álcool e fumo entrariam para fazer as modificações pra que o câncer apareça", resume o professor.

Segundo a diretora do Conselho Fiscal do Instituto Brasileiro da Erva Mate, Ariana Maia, o setor recomenda que não se tome o chimarrão a temperaturas exageradamente quente.

 

"Foi feito um alerta grande junto ao Inca, inclusive conscientizando as pessoas que fazem uso do chimarrão pra temperatura da água", afirma.

 

O processo de secagem das folhas de erva mate é uma técnica milenar, que segundo Ariana vem sendo melhorado e a incidência de substâncias indesejadas, diminuída. "Hoje a tecnologia das indústrias faz com que haja o mínimo contato possível da planta, da erva, com esses processos", diz.

A comparação com o consumo de cigarro é incorreta, afirma a diretora. "O benzopireno não é solúvel, a gente não consegue extraí-los na infusão. Então na realidade a gente não tá tomando cigarro, que seria uma idiotice. Se eu tô comparando a questão da erva mate com o cigarro, eu teria que fumar a folha da erva mate e não fazer uma infusão, então é um segundo erro", diz.

 

 Foto: Daniela Schneider

 

 

 

Por Janaína Lopes e Gabriela Clemente, g1 RS

 
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